Justos Gonzalez ensinou teologia histórica em diversas instituições, entre elas o Seminário Evangélico em Porto Rico, a Escola de Teologia Candler na Universidade Emory, e o Seminário Teológico Columbia. Durante os últimos 30 anos, ele desenvolveu programas de formação teológica para hispanos.
Seus diversos livros sobre a história da igreja foram traduzidos para diversas línguas e são amplamente usados em todo o mundo. Entre eles, temos no Brasil a série Uma História Ilustrada do Cristianismo (10 volumes) e Cristianismo na América Latina: uma história que será lançado no segundo semestre de 2009, também por Edições Vida Nova.
Teologia Brasileira: O que o motivou a estudar "história", especificamente, "história do cristianismo"?
Justo Gonzalez: Quando eu era jovem, a matéria que eu mais odiava na escola era história. Eram muitos nomes, muitas datas, muita memória e pouca vida. Mas depois, quando eu fiquei um pouquinho mais velho e comecei a estudar Teologia, vi livros de bons teólogos e os melhores sempre falavam de seus antecessores, de gente que eu não conhecia. Havia um livro muito famoso, A teologia Dogmática de Karl Barth, que era um livro muito grande. Quando comecei a ler esse livro, cada página tinha 10, 12 nomes de pessoas que eu não sabia quem eram. Pessoas do século segundo, do século quinze, do século quarto. Naquela época, eu também estudava Filosofia, e logo notei que era impossível estudar Filosofia sem estudar a História da Filosofia. Os cursos de Introdução à Filosofia sempre começam com a Filosofia Grega. Da mesma forma, não é possível estudar Teologia sem conhecer a História da Teologia. Foi isso que me levou a estudar a história do cristianismo. Hoje me interesso mais pela história porque percebo que a História fala da vida dos povos, da vida de homens e mulheres, de quando essas pessoas viviam, as obras que esculpiam. Isso tudo era tão importante para eles como nossa vida é para nós hoje. Por isso não tem nenhuma razão para a História ser algo chato, muito pelo contrário. Você lê um romance histórico, um romance sobre o rei Carlos V e fica muito impressionado porque é ali está a história da vida dele.
Teologia Brasileira: Existe uma história do cristianismo separada da História?
Justo Gonzalez: Existe, mas não deveria existir. Lamentavelmente, a História do cristianismo é escrita com exclusão da História geral da humanidade. No entanto, acho que isso não é bom dos pontos de vista teológico, metodológico e também pedagógico. Não é bom teologicamente porque nosso Senhor é o Senhor da História, toda a História está em suas mãos. É evidente que na história há também pecado, mas Jesus é o Senhor da História e nós aguardamos o fim da História. Logo, não é possível falar da História da humanidade sem falar da História de um Deus que age dentro dessa história. Portanto, não deveriam existir duas Histórias. Isso que fazemos nas escolas de separar a História secular não deveria existir. E ao mesmo tempo não é correto, pois a História da Igreja, a vida da igreja tem lugar sempre dentro do contexto da vida geral da humanidade. Você não pode falar da igreja no Brasil, sem falar do Brasil. Você não pode falar das mudanças que têm ocorrido na igreja brasileira nos últimos cinquenta anos, sem falar das mudanças que têm ocorrido na história do Brasil como país inteiro nos mesmos cinquenta anos.
Teologia Brasileira: Em termos de pensadores da história cristã, quais as influências mais marcantes em sua história pessoal?
Justo Gonzalez: Ah! São muitas, muitas, muitas. Originalmente, quando eu era mais jovem, as influências mais marcantes foram principalmente Martinho Lutero e Agostinho. Depois, Irineu passou a ser mais importante para mim. Ele foi teólogo e bispo na França do final do século segundo. Outra influência foi Karl Barth. Karl Barth foi um teólogo suíço que protestou veementemente contra o nazismo e que criou uma nova maneira de se fazer Teologia no princípio do século XX, por sinal algo que gerou muita discussão. Além desses que citei, tem também meu pai, minha mãe, minha mãe, minha esposa; todos são teólogos que tem me influenciado muito.
Teologia Brasileira: Na sua opinião, o testemunho da igreja cristã tem apresentado uma postura coerente em relação à unidade da igreja?
Justo Gonzalez: Coerente sim, mas boa não. É coerente, mas ruim. O testemunho da igreja tem perdido muito por dois motivos, que são ambos negativos. O primeiro é uma divisão constante, segundo a qual cada igreja pensa que fica só no mundo de Deus, que só ela é igreja. Isto é verdade em igrejas grandes e também em igreja muito pequenas; o problema é o mesmo. Outro problema, outro extremo é quando a unidade da igreja se torna algo administrativo, muitas vezes ditatorial, não voluntário. Os dois são problemas, a unidade da igreja não é apenas unidade: um chefe, um papa, um bispo, um grande pastor. Essa postura fez muito mal para o testemunho cristão.
Teologia Brasileira: Para o sr., quais seriam hoje as formas veladas de intolerância religiosa?
Justo Gonzalez: Muitas não são tão veladas. Naturalmente há intolerância religiosa em todas as religiões e temos de ter cuidado quando falamos em tolerância religiosa entre os cristãos. Há também muita intolerância religiosa entre os muçulmanos, entre os hindus. Agora mesmo um grupo de cristãos tem saído de seus territórios porque os vizinhos estavam matando. O governo diz: "Nós podemos protegê-los, vocês devem regressar às suas casas mas devem ficar em dois para não ter problema". Isso acontece na Índia agora no século XXI, e principalmente nos países muçulmanos. Agora não acontece com os cristãos. Há muitas e muitas formas de intolerância religiosa. Eu acho que, em nosso contexto particular na America Latina, possivelmente a forma mais velada é a intolerância de alguns chefes, de alguns pastores de igrejas muito grandes que querem que todo mundo pense exatamente o que eles pensam ponto por ponto, de A a Z. Fazem tudo isso para manter o povo, levando-o a fazer o que eles dizem. Isso é intolerância religiosa também. Intolerância religiosa não é um problema só da igreja romana, é um problema de todos os cristãos que acreditam ser possuidores da verdade. O cristão não possui a verdade, a verdade possui o cristão.
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