Observação do Editor: Este documento Avançando Cape Town 2010 foi escrito por Tim Keller para dar um panorama geral do tópico a ser discutido na sessão Plenária de Noite sobre “Megacidades” e na Sessão Multiplex sobre “Abraçando a Missão Urbana Global de Deus”. Comentários sobre este documento através da Conversa Global Lausanne serão enviados para o autor e para outras pessoas, e ajudarão a dar forma à apresentação final que farão no Congresso.
O que é uma cidade?
Hoje, uma cidade é definida, quase exclusivamente, em termos de tamanho da população. Grandes centros populacionais costumam ser chamados de “metrópoles”; pequenos centros, de “cidades”; e os menores ainda, de “vilas”. Entretanto, não devemos impor nosso uso corrente para os termos bíblicos. A principal palavra hebraica para “cidade”, “iyr”, refere-se a qualquer assentamento humano dentro de alguma fortificação ou entre muros. As populações de algumas cidades antigas eram de aproximadamente 1000 a 3000 habitantes. “Cidade” na Bíblia não se refere ao tamanho da população, mas à densidade. O Salmo 122:3 refere-se a essa densidade: “Jerusalém, que estás construída como cidade compacta”(1). O significado da palavra traduzida para “compacta” é bem entrelaçada, unida. Numa cidade fortificada, as pessoas viviam perto umas das outras, bem próximas, em casas e ruas compactas. Na verdade, na maioria das cidades antigas, havia cerca de cinco a dez acres, com 240 residentes por acre, comparando-se com as casas de Manhattan na cidade de Nova York, que tem 105 residentes por acre. (2)
Nos tempos antigos, a cidade era o que hoje consideraríamos “assentamento humano variável com várias misturas”. Por causa da densidade populacional, havia lugares para viver e trabalhar, comprar e vender, produzir e apreciar arte, adorar e buscar justiça, tudo a poucos passos de distância. Nos tempos antigos, as áreas rurais e as vilas talvez não tivessem todos estes elementos, e nos tempos modernos, os “subúrbios”, evitam este padrão de organização de propósito. Os subúrbios são zonas com uso específico: moradia, trabalho, diversão e educação. São separados um dos outros, e o acesso a eles é de carro, geralmente, passando por zonas desfavoráveis para pedestres.
O que caracteriza uma cidade é a proximidade. Ela aproxima pessoas. Portanto, residências, locais de trabalho e instituições culturais ficam próximos. Ela dá vida às ruas e locais de trabalho e traz mais interação corpo a corpo do que outros lugares. Foi isso que os autores da Bíblia quiseram dizer quando usaram a palavra “cidade”.
Missão Urbana na Bíblia
Jerusalém
No início do Velho Testamento, a importância redentora da cidade estava na própria Jerusalém como modelo de sociedade urbana:“a alegria de toda a terra” (Sl. 48:2), demonstrando ao mundo o que pode ser a vida humana sob seu senhorio. Muito já se falou sobre fluxo “centripetal” de missões durante essa era. Deus chamou as nações para crer n’Ele, aproximando-as para ver Sua glória encorporada em Israel, a nação santa que Ele tinha criado, cuja vida corporativa mostrava ao mundo o caráter de Deus (Deut 4:5-8). Entretanto, o livro de Jonas dá um sinal chocante à missão “centrifugal”do Novo Testamento, de mandar crentes ao mundo. Jonas foi o único profeta do Velho Testamento enviado a uma cidade pagã para que ela se arrependesse. A declaração final de Deus é surpreendente: “o Senhor chama Jonas para amar a grande cidade pagã de Nínive por causa do grande número de seus habitantes cegos espiritualmente” (Jonas 4:10–11).
Babilônia
Esta mudança de centrípeto para centrífugo alcança outro estágio, quando Israel é levado para o exílio. Os judeus são levados para viver no meio da ímpia, pagã e sanguinária Babilônia. Qual é a relação dos crentes com tal lugar? Jeremias 28–29 apresenta um extraordinário esboço da postura do crente na cidade. Deus diz ao Seu povo para “multiplicar-se e não diminuir” (Jer. 29:6), para manter sua identidade comunitária bem destacada e para crescer, mas Ele também manda se estabelecer e se envolver na vida da cidade grande. Eles deveriam construir casas e plantar jardins. O mais impressionante é que Deus os chama para servir a cidade, para “buscar a prosperidade da cidade” e para “orar ao Senhor em favor dela” (Jer. 29:7). Eles devem aumentar suas tribos em número em um gueto dentro da cidade, e também devem usar seus recursos para buscar o bem comum.
Isto sim é equilíbrio! Os valores de uma cidade terrena contrastam grandemente com aqueles da cidade de Deus. Mesmo assim, os cidadãos da cidade de Deus devem ser os melhores cidadãos das cidades terrenas. Deus chama os exilados judeus para servir ao bem comum da cidade pagã. Ele também tem um objetivo bem prático: servir ao bem da cidade pagã é a melhor maneira para o povo de Deus prosperar e florescer, “porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela” (Jer. 29:7), diz o Senhor. Deus ainda se preocupa com Seu plano de salvação e com o estabelecimento do Seu povo. É exatamente isso o que acontece. Como os judeus chegaram à cidade e buscaram a paz da grande cidade pagã, eles conquistaram a influência e o impulso que precisavam para, depois, voltar e restaurar sua terra natal. Além disso, os judeus permaneceram, de certa forma, dispersos pelas cidades do mundo como um grupo cosmopolita, um grupo étnico internacional que se tornou base crucial para a disseminação da messagem cristã depois de Jesus.
Residentes Estrangeiros
Existe alguma razão para crer que o modelo de Israel na Babilônia deve servir como modelo para a igreja? Sim. No exílio, Israel não existia mais como estado-nação, com governo e leis próprios. Em vez disso, Israel existiu como comunidade internacional e contracultura em outras nações. Agora, esta é a forma da igreja que Pedro e Tiago reconhecem quando se dirigiram aos crentes como “dispersos” e “exilados” (1 Pedro 1:1). Por duas vezes Pedro usou o termo parapidemois para exilados, “residentes estrangeiros”, pessoas que vivem num país de onde não são nativos nem turistas, mas estão apenas de passagem. Pedro chama os cristãos para viverem no meio da sociedade pagã de forma que os outros vejam suas “boas obras e glorifiquem a Deus”, mas os adverte para que contem com a perseguição (1 Pedro 2:11–12). Os ecos de Jeremias 29 são evidentes. Como os exilados judeus, os exilados cristãos devem se envolver em suas cidades, servindo o bem comum, em vez de dominar ou ignorar a comunidade. Eles devem esperar que a sociedade ao redor deles seja tanto hostil como atraída pela vida e pelo serviço dos crentes na cidade. Pedro indica que as boas obras dos crentes levarão, pelo menos, alguns pagãos a glorificarem a Deus.
No seu artigo “Soft Difference” (Leve Diferença) sobre 1 Pedro, Miroslav Volf mostra como a tensão que Pedro viu entre perseguição e atração e entre evangelismo e serviço não se encaixa nos modelos históricos que relacionam Cristo com a cultura (3). Diferente dos modelos que chamam os cristãos para uma transformação de cultura ou para uma aliança cristã da igreja com o estato, Pedro espera que o Evangelho seja sempre muito ofensivo, nunca totalmente aceito ou abraçado pelo mundo. Isso é um aviso para os evangélicos e cristãos que esperam estabelecer uma cultura essencialmente cristã; diferente de modelos que simplesmente chamam para o evangelismo, e são muito pessimista com relação a influenciar a cultura. Tanto Pedro, em 1 Pedro 2:12, como Jesus, em Mateus 5:16, esperam que alguns aspectos da fé e da prática cristã sejam atraentes em qualquer cultura pagã, influenciando pessoas para louvarem e glorificarem a Deus (4).
Samaria e até os confins da terra
Como Israel durante o exílio, a igreja vive como uma congregação de comunhão internacional e dispersa. Em Atos 8 vemos Deus forçosamente dispersando os cristãos de Jerusalém, e, assim, fortalecendo enormemente a missão cristã. Imediatamente, eles foram para Samaria, a cidade que o povo judeu tinha aprendido a desprezar, tanto quanto Jonas desprezou Nínive e os judeus desprezaram Babilônia. Mas, diferente dos relutantes profetas ou do exílio, os cristãos transformados pelo Evangelho tornaram-se ativos na missão urbana em Samaria (Atos 8:1).
Quando finalmente chegamos à igreja do primeiro século, vemos a missão redentora de Deus não mais em centros urbanos, como Jerusalém ou Babilônia. Todas as cidades do mundo se tornaram importantes. Em Atos 17, Paulo chega a Atenas, o centro intelectual do mundo greco-romano. Em Atos 18, ele viaja para Corínto, um dos centros comerciais do Império. Em Atos 19, ele chega a Éfeso, talvez o centro religioso do mundo romano, lugar de vários cultos pagãos e, particularmente, do culto imperial, com três templos para adoração ao imperador. No final do Livro de Atos, Paulo chega a Roma, a capital do poder do império, o centro militar e político do mundo. John Stott conclui: “Parece ter sido uma política deliberada de Paulo de, propositalmente, mudar de um centro urbano estratégico para o seguinte”.(5) Ao chegar à cidade, Paulo atingia toda a sociedade, como é evidente na Carta aos Colossenses. Nesta epístola, Paulo acompanha discípulos nas cidades junto ao Vale de Lico — Laodicéia, Hierápolis, Colossos (Col. 4:13–16)—mesmo nunca tendo visitado aqueles lugares pessoalmente. Provavelmente, eles se converteram através do ministério dos efésios. Se o Evangelho é repartido em centros urbanos, você alcança a região e a sociedade.
As razões pelas quais o ministério urbano era tão eficaz podem ser resumidas como se segue:
■As cidades são culturalmente cruciais. Na vila alguém pode ganhar um, ou talvez dois, advogados amigos seus para Cristo, mas ganhar o grupo profissional jurídico requer ir à cidade, junto às escolas de direito, aos editores dos jornais jurídicos e assim por diante.
■As cidades são globalmente cruciais. Na cidade pequena ou na vila, você pode alcançar um único grupo que vive lá, mas anunciar o Evangelho para dez ou vinte novos grupos/línguas ao mesmo tempo exige ir à cidade onde todos eles podem ser alcançados através da língua fluente do lugar.
■As cidades são pessoalmente cruciais. Com isso quero dizer que as cidades são lugares perturbadores. As cidades do interior e as vilas são caracterizadas pela estabilidade, e os residentes são mais enraizados em seus costumes. Por causa da diversidade e da intensidade das grandes cidades, os moradores urbanos são mais abertos a novas idéias, como por exemplo, ao Evangelho! Como estão rodeados por tantas pessoas iguais a eles, e diferentes deles, e têm mais mobilidade, os moradores urbanos são muito mais abertos a diálogos do que moradores de outros tipos de cidades. Independentemente das razões porque se mudaram para a grande cidade, uma vez que se mudam, a pressão e a diversidade fazem do indivíduo mais tradicional e fechado uma pessoa aberta ao Evangelho.
PARA CONTINUAR A LEITURA COM OS TÓPICOS
Missão Urbana Hoje
A importância crescente das cidades
A necessidade de igrejas contextuais.
É necessário um movimento para alcançar uma cidade
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